Quando Ser Mulher Muda Tudo: o Novo Olhar da Justiça Brasileira
- Roberta Vasconcelos

- 17 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de out.

O Direito, em sua concepção clássica, se apresenta como um sistema neutro e universal, cujas normas se aplicam de forma igualitária a todos. Contudo, a realidade social revela que a aplicação das leis pode ser profundamente influenciada por vieses e desigualdades estruturais. É nesse cenário que emerge a advocacia sob a perspectiva de gênero interseccional feminista, uma prática jurídica que busca desconstruir essa suposta neutralidade para alcançar uma justiça verdadeiramente equitativa.
Advogar sob essa ótica significa, em primeiro lugar, compreender que o gênero é uma construção social que cria hierarquias, papéis e estereótipos, gerando vulnerabilidades específicas. A análise, porém, não para por aí. O conceito de interseccionalidade é a chave: ele reconhece que as opressões não são monolíticas. As experiências de uma mulher são moldadas não apenas por seu gênero, mas pela intersecção deste com sua raça, classe social, orientação sexual, deficiência, origem e outras identidades. Uma mulher negra e periférica enfrenta obstáculos distintos de uma mulher branca e de classe alta, e o Direito precisa ser sensível a essas múltiplas camadas de vulnerabilidade.
Essa não é mais uma visão meramente teórica ou militante; ela está sendo institucionalizada. Um marco fundamental foi a publicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A orientação é clara: magistrados e magistradas de todo o país devem analisar os casos considerando as assimetrias de poder entre os gêneros, questionando estereótipos e evitando a revitimização, especialmente de mulheres e grupos minoritários. Para a advocacia, isso representa tanto uma ferramenta poderosa quanto uma responsabilidade.
Na prática, essa análise se faz indispensável em diversas áreas:
No Direito de Família, ao discutir guarda de filhos, pensão alimentícia ou partilha de bens, é crucial considerar o trabalho doméstico e de cuidado não remunerado, majoritariamente exercido por mulheres, e a vulnerabilidade econômica decorrente dele após o fim de uma união.
No Direito Penal, a perspectiva de gênero é vital em casos de violência doméstica (Lei Maria da Penha), crimes sexuais e feminicídio. Ela permite compreender o ciclo da violência, valorizar a palavra da vítima e combater a cultura do estupro, que muitas vezes culpa a mulher pela agressão sofrida.
No Direito do Trabalho, essa abordagem expõe dinâmicas de assédio moral e sexual, a desigualdade salarial e os obstáculos enfrentados por mães no mercado de trabalho, como a chamada "penalidade pela maternidade".
Até mesmo no Direito Previdenciário e Tributário, a análise de gênero pode revelar como certas regras de aposentadoria ou modelos de tributação impactam homens e mulheres de maneiras distintas, perpetuando desigualdades.
Advogar com essa lente não é buscar um "direito parcial", mas sim cumprir a promessa constitucional de isonomia em sua dimensão material. É um compromisso com uma advocacia que enxerga as pessoas em sua integralidade e complexidade, utilizando o sistema de justiça não como um perpetuador de opressões, mas como um instrumento ativo de transformação social. É, em suma, advogar por uma justiça que seja, de fato, para qualquer pessoa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MACHADO, Layze Aparecida; NEGREIROS, Eduardo Corrêa de. “Teoria da interseccionalidade e feminismo contemporâneo: uma análise crítica das complexas experiências das mulheres”. Revista Direito e Sexualidade, Salvador, v. 5, n. 1, p. 142-162, jan./jun. 2024. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revdirsex/article/view/57686. Acesso em: 04 de outubro de 2025. Portal de Periódicos UFBA+1
ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA – GOIÁS; Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Goiás. Cartilha "Atuação com perspectiva de gênero: um guia prático para a advocacia" Goiânia: ESA-OAB/GO, 2024. Disponível em: https://esa.oabgo.org.br/e-book/cartilha-atuacao-com-perspectiva-de-genero-um-guia-pratico-para-a-advocacia/. Acesso em: 02 de outubro de 2025. esa.oabgo.org.br+2esa.oabgo.org.br+2
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. Brasília: CNJ, 2021. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-de-genero-cnj-24-03-2022.pdf Acesso em: 02 de outubro de 2025.

Roberta Beatriz Costa de Vasconcelos é advogada (OAB/SP 479.530), com atuação voltada ao Direito de Família, Sucessões. Atende com sensibilidade, ética e olhar humanizado, especialmente em causas que envolvem mulheres e questões de gênero.
WhatsApp: (16) 98998-0181
E-mail: robertabeatriz@adv.oabsp.org.br





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